“...Geladeira Electrolux 80 litros...”
Geladeira foi a palavra. O gatilho que me disparou a levantar do sofá colocar uma roupa e descer pelas escadas os três andares.
A diferença de pressão
atmosférica é perceptível. Podem todos falar que não mas eu sinto no ouvido. Penso nisso pra esquecer da vontade de beber, que espera.
Prefiro as escadas, pessoas que moram no trigésimo segundo andar chamando todos os (dois) elevadores me deixam irritado. Elas não pensam nos outros? Chame o que se encontra mais perto do seu andar! A espera me deprime.
Prefiro as escadas, pessoas que moram no trigésimo segundo andar chamando todos os (dois) elevadores me deixam irritado. Elas não pensam nos outros? Chame o que se encontra mais perto do seu andar! A espera me deprime.
Lembro bem de estar passando lá e o velho gritava com um livro na
mão, que não era a Bíblia, me pareceu um catálogo de cosméticos, ele dizia “Se
eu pudesse escolher andava de motorista particular! Mas o povo tem que andar de
ônibus!”. Foda-se.
Algo saiu da boca daquela estátua de fezes
secas e me intrigou: “Meu vale transporte, é o tempo!” após a frase gritada ele
ria alto com a face rosada, contudo nada que impressionasse.
Não tem muito a dizer sobre a trajetória que eu fiz, poderia ter feito
outra combinação de traços no cruzamento, escolhi um, não importa qual.
Sou avisado de que tem biscoito de polvilho fresco, que é a
sensação precisa de comer ar embalado.
Só que fresco.
Só que fresco.
– Não, obrigado. Quero cerveja da mais Gelada, aceita visa?
– Aceita.
– Faleu.
Isso sempre acontece quando a naturalidade compromete: duas
palavras que são usadas para o mesmo fim são fundidas num vocábulo híbrido,
valeu e falou, corruptela neural da minha insegurança, só conseguiria evitar me substituindo por outra pessoa. Antes do caixa peguei
um biscoito recheado sem preço, provavelmente caro, ao chegar reforcei:
– Vê pra mim antes o preço, não sei se eu vou levar.
– Ainda bem que você falou, acabei de levar uma advertência por
registrar sem querer quando era só consulta. – ela registrou sem querer – Meu
deus, passei moço, não tem como o senhor levar não?
Minha reação é surpreendentemente artificial, me substituí por
outra pessoa.
– Claro! – voz grave – quanto é?
– Dois e cinquenta
– Beleza.
Digito a senha
Digito a senha
Torço pro cartão passar
– Volte sempre!
– Tchau, volte sempre.
– Tchau, volte sempre.
De novo o anjo mau da naturalidade faltou, eu estava sentado num intervalo do enfado da função de ter de me
suportar, agora fui bengalado pra dentro de novo sem perceber. “Tchau, volte sempre”?
– Tchau – mais um tchau, sem olhar, o que seria demais.
Voltei pelo mesmo cruzamento mas só atravessei depois de esperar um sinal de 3 minutos fechar, acendi um cigarro que queimou quase até o final. Eu tinha a esperança de conseguir fuma-lo inteiro.
– Tchau – mais um tchau, sem olhar, o que seria demais.
Voltei pelo mesmo cruzamento mas só atravessei depois de esperar um sinal de 3 minutos fechar, acendi um cigarro que queimou quase até o final. Eu tinha a esperança de conseguir fuma-lo inteiro.
cigarro é o único modo de fazer a vida passar mais rápido, esse negócio de encurtar a vida é mentira, ele é a única fonte do óleo preto que entra na veia
e vai até o cérebro, o óleo que faz pensar.
A decepção da esperança é melhor que a frustração da espera.
A decepção da esperança é melhor que a frustração da espera.
Acabei abrindo o biscoito.
Ao cruzar a rodoviária no caminho de volta pra casa um homem descabelado com
uma pochete atravessada no tórax, se posturava como um soldado portando uma munição pesada, um cinto daquelas balas gordas que explodem, esperava escondido dos inimigos que o proibiriam de estar ali, sua calça cargo ainda imaginava ser um porta
cantil, esperava a sonhar com um coldre e um revolver pesado.
Quando me viu perguntou baixo:
- Lá? Acolá?
- Não, não vou viajar, to indo pra casa – imprudentemente continuei falando com o mercenário – Como é que vocês fazem? É van? É mais barato?
- Mais barato, mas não é van, tu me dá metade do dinheiro que eu passo pra tu no guichê com o cartão de vale-transporte, tem até comprado aqui já pra lá e acolá, quando quiser me procura.
Quando me viu perguntou baixo:
- Lá? Acolá?
- Não, não vou viajar, to indo pra casa – imprudentemente continuei falando com o mercenário – Como é que vocês fazem? É van? É mais barato?
- Mais barato, mas não é van, tu me dá metade do dinheiro que eu passo pra tu no guichê com o cartão de vale-transporte, tem até comprado aqui já pra lá e acolá, quando quiser me procura.
- Por quê que você faz isso?
Recebi um olhar de desconfiança.
Sorri.
- É porque eu recebo o cartão de vale transporte do serviço, mas
vou pro trabalho a pé, aí não posso morrer nessa grana.
- Quer um biscoito?
- Quero um cigarro! – sorriu, claro, ele esperava demais.
Eu respondi com uma gargalhada natural.
Eu respondi com uma gargalhada natural.
Cheguei em casa, vi a propaganda da geladeira de novo e quando o jornal voltou do intervalo eu reconheci o cenário.
“Motoboy morre em acidente após avançar o sinal do
cruzamento em frente ao supermercado, o choque com o carro lançou o jovem de
19 anos no interior de uma banca de jornais”
Depositar esperança num sinal vermelho e morrer é lindo, além de ser estúpido demais pra ser escroto é simbólico saber que o vermelho é exatamente o que nesse caso vem negar o verde
A ironia da imagem do meu mártir coberto com um plástico preto do lado do banner de cigarros da banca destruído e da infinidade de maços espalhados no chão foi comovente.
Depositar esperança num sinal vermelho e morrer é lindo, além de ser estúpido demais pra ser escroto é simbólico saber que o vermelho é exatamente o que nesse caso vem negar o verde
A ironia da imagem do meu mártir coberto com um plástico preto do lado do banner de cigarros da banca destruído e da infinidade de maços espalhados no chão foi comovente.
"Sou avisado de que tem biscoito de polvilho fresco, que é a sensação precisa de comer ar embalado.
ResponderExcluirSó que fresco."
Melhor descrição de todas, é exatamente isso!
Excelente. Sem mais.