quinta-feira, 3 de maio de 2012

Conto: Joelho


"Acordei sedento, sede natural ao contrário. O parasitismo exercido pelo mundo exige sua água.
O Firefox só é usado nessa quitinete para a navegação privativa, sem registrar no histórico.
O maço vazio de free serviu de reservatório improvisado e a sede foi saciada.
Primeiro dia da nova empregada, dez da manhã a campainha toca, ela me olha com ar de surpresa e fala gírias. Suas pernas são surpreendentemente finas e revestidas naturalmente por pêlos que provavelmente ela penteia e passa condicionador, sua calça é do tipo de ginástica e parece ter sido cortada nas canelas. Ela me olha com simpatia exagerada do alto do seu leve estrabismo e entorta seu cabelo, de fiapos com tanta memória quanto argila, para trás da orelha, logo associo sua sedução ao novo corte que o barbeiro me fez, a careca foi suavizada por um penteado menos grosseiro, um degrade de decrescimento até o topo chapada estéril do meu cocuruto. Óbvio que é por isso que ela me olha desse jeito, mulheres se atraem por homens vividos e com charme diferenciado.
A faxina é diária e custa 40 reais, caro demais pra um apartamento de um cômodo aqui no fim e eu já deveria ter suspeitado que mesmo sendo atraente aos seus olhos seria difícil negociar. 
Minha padaria predileta fica a 10 minutos da portaria e depois de caminhar até lá monto algumas desconfianças com as informações aleatórias do lugar: Deixei a gaveta destrancada, tem 350 reais e os anéis de mamãe. Joguei fora o maço de free sujo? Que valor aquilo teria para uma aproveitadora mal caráter com pernas tão imbecis? Essa mulher tem o poder de acabar com a minha vida se utilizando daquele maço de cigarros. Ainda que desesperado, me alimento calmamente do pão com presunto na chapa, com atenção, sem esquecer de deixar o meio do pão pro final, a parte mais gostosa. esqueci de lavar a mão. O que se sucede na volta pra casa eu não pude segurar, a preocupação é tão aguda que volto num passo abissal, que soa de tão pesado.
No meio do longo caminho encontro um vingador contra o mundo parasita, quase um mimetista, um entre muitos homens bomba, que com uma caixa de jujubas na mão me pede que pague um pão. Já esperando suas maldições travestidas de “deus te abençoe” eu imediatamente disse não. Olhei e sua frente era tosca, lhe faltava um suposto dente central na arcada inferior, os outros decidiram tentar cobrir sua falta e se inclinaram para dentro, de modo a formar um buraco triangular do qual poderia a qualquer momento sair algum tipo de molusco que tenha gostado de viver naquela cavidade úmida. A resposta ao meu 'não' foi uma vitimação quase mexicana:
- Po, to cheio de fome.
Não respondi. 
Na pastelaria chinesa perto do shopping comprei um joelho, brioche em Petrópolis, italiano em Niterói, a aparentemente óbvia inseminação caseira da empregada não foi o suficiente para fazer com que eu esquecesse tão rápido aquela criatura áspera (após sua morte sua pele deveria ser utilizada para lixar massa corrida), peguei o rumo de volta ao golem parecido com o que vi em um livro na infância. No regresso quase kardecista desejei que o monstro não estivesse mais lá, no entanto na iminência do seu encontro levei um soco do inconsciente, tudo que desejava era sua presença de novo e que aquela boa ação, como oferta a alguma divindade egoísta, fizesse com que aquela serviçal quasímodo não fosse ter um filho meu. Ele ainda estava lá, perguntou ao ver o embrulho: 
- É o pão?
- É.
A rigor joelho não é pão, mas a massa é parecida, esperei que a oferenda modificada por alguns ingredientes tivesse valido. Aquele sorriso aparentemente formado por canjicas e moedas gastas de 5 centavos (das novas, marrons) alinhadas a esmo, me deprimiu instantaneamente. Contudo a sensação boa e egoísta do falso altruísmo fez o meu sofrível melancólico, delicioso.
A empregada já tinha jogado tudo fora em sacos no canto da porta, estava agora com um escovão na privada do meu micro-banheiro. Os sacos de lixo, que fingi presteza ao jogar fora, foram por mim vasculhados no corredor do prédio antes de deixa-los na lixeira, o maço estava intocado na sacola suja, ela nem percebeu o que tinha dentro, o líquido já fora em parte absorvido pelo papel.

Não funcionou, pão não é joelho, é parecido mas a massa é diferente, vi na internet usando o google chrome.
350 reais foi uma pechincha."

quarta-feira, 2 de maio de 2012


lento aproximo
me gravita
magneta faísca
olhos de scifi
fogo pisca
scanners do céu
escuros de perto
de pena
sou ainda alguns quilômetros
por hora, por agora
quem me dera
cometeria abraço em linha reta
aconteceria
cratera